sábado, 24 de setembro de 2011

Regresso ao Futuro

A Autonomia, no fundo, é o que os meus pais me deram quando comecei a sair à noite. Era um espaço de não-intervenção. Era um lugar, ou um período de tempo, onde eles não me podiam contrariar.

Há valor intrínseco nisso. As nossas escolhas são, por definição, mais agradáveis do que aquilo que nos é imposto.

Os nossos pais perceberam-no. Foram a geração que conquistou esse espaço, e sentiu o prazer de dominar o seu destino. Em grande medida, facilitaram-nos a vida. Deram-nos educação, acessibilidades, cuidados de saúde e confortos materiais muito superiores aos deles. Foi um trabalho assinalável, não raras vezes conquistado à adversidade.

Mas a Autonomia tem um reverso. Não se diz a ninguém, mas a verdade é que as minhas noites tanto podiam acabar aos beijos inquietos com uma miúda no cais, como a vomitar a bílis numa casa de banho medieval com “água” pelos joelhos.

A Autonomia, como todas as liberdades, é também um espaço de abandono, cruel abandono às consequências das nossas escolhas. Onde qualquer pedido de apoio é imediatamente sancionado com um “desenrasca-te”, ou, pior, uma perda do direito de sair à noite.

A Autonomia é uma coisa delicada. Os mais novos sentem essa fragilidade com especial acutilância. A crise pôs em causa a cantiga em que foram educados, aquela pela qual regraram as suas expectativas.

Não é uma desvantagem. Onerados com a regeneração da economia, da política, e da própria sociedade, são sobretudo os jovens que possuem a criatividade, o empreendedorismo e o espírito crítico para, sedimentados sobre a obra da geração anterior, erguer uma política centrada nas pessoas: a única forma de levantar a hipoteca sobre os nossos recursos e criar valor suficiente para nos libertarmos do garrote financeiro (e até político) que nos ameaça o horizonte.

O futuro será de quem lhes der uma voz, e de quem tiver a coragem de premiar a independência necessária para pensar e aplicar a sua própria visão. Como tiveram a coragem de fazer com os seus pais, antes deles. Para que esta noite amanheça no cais.

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